Hestevo
2 min readNov 25, 2021

Opacidade eterna de um corpo sem futuro

Luz amarelada do reflexo de cortinas coloridas de segunda mão, um apartamento antigo perto do centro de São Paulo. Nós dois sentados no chão rindo da tamanha besteira que é… que seria estarmos juntos. Vai ser tão difícil deixar essa ilusão pra trás. De todas as minhas ilusões, essa era minha preferida. Será que não posso voltar? Será que dessa vez eu tenho que sair do apartamento? Eu tenho que estar pronta pra ir embora? Mas eu tão disposta a ter meu coração partido por você. Joely diz: “deixe-me guardar essa memória. Só essa”. Eu estava tão pronta pra enfrentar o mundo ao lado de um homem partido. Seríamos partidos juntos, doeríamos juntos, queridos. Queimaríamos as paredes, derreteríamos o chão de tanta decepção e de tanto amor errado, torto, amassado, cuspido, nu, rastejante, de quatro, algemado, chicoteado, acorrentado pelo mais belo shibari vermelho. Eu desejo ter a mesma pele que a sua, morar nas suas mãos, ser a sua pupila. Desejo ser a grávida, desejo ser a deixada, desejo ser a invisível, desejo ser dependente, escrava, desejo ser a cruz pesada sob suas costas como em “Tatuagem” da Elis. Desejo te retalhar em postas e ser retalhada pelos seus lábios sanguinários. Mas mais do que tudo, querido estranho, eu desejo estar no apartamento, esperando você num quarto embolorado de tanto estar fechado. Desejo ficar no bolor negro por quatro anos e assombrar pra sempre a minha construção frágil. Te amei me afogando nas nossas lindas mentiras e permaneço nas mentiras sem amor. Permaneço porque sempre permaneço. Só. Molhada, embolorada, amarrada, porém, um dia, amada. Por você. Por você. Tudo por você e nada (pra) por mim.

Hestevo

Notas poéticas (ou não) de uma pessoa despersonalizante.